Pular para o conteúdo principal

ESPECIAL DE DOMINGO: Os principais passos da história do combate ao diabetes, que afeta milhões no mundo

ESPECIAL DE DOMINGO: Os principais passos da história do combate ao diabetes, que afeta milhões no mundo
Fonte da pesquisa: Ciencia Hoje On-line

O ano de 1888 é lembrado pela promulgação em 13 de maio da Lei Áurea pela Princesa Isabel, que pôs fim à escravidão no Brasil, pelo nascimento em 13 de junho do poeta português Fernando Pessoa (morto em 1935) ou, ainda, pelo episódio ocorrido em 23 de novembro no qual o pintor holandês Vincent van Gogh (1853-1890) cortou parte de sua orelha esquerda.

Ilhotas de Langerhans, células do pâncreas responsáveis pela síntese de insulina. Sua identificação pelo patologista alemão Paul Langerhans (1847-1888) foi um dos principais marcos na batalha contra o diabetes (foto: Wikimedia Commons).

Já alguns historiadores da ciência se lembram desse ano por um outro acontecimento digno de nota. Em 20 de julho faleceu, na Ilha da Madeira (Portugal), devido a complicações renais, o patologista alemão Paul Langerhans (1847-1888), responsável por um dos principais marcos na batalha contra o diabetes.

Apesar de sua espantosa incidência – essa doença debilita e diminui a qualidade de vida de dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo –, o diabetes e a saga da luta da ciência contra seus efeitos nocivos são ainda pouco conhecidos de grande parte da população.

O termo diabetes provém do verbo grego diabeinen, que significa ‘sifão’, em referência à grande eliminação de urina pelos doentes. Registros indicam que a denominação dessa patologia coube ao grego Areteu da Capadócia no século 2 d.C. Contudo, há indícios de que ela já era conhecida vários séculos antes disso.

A denominação clínica de uma das formas dessa doença – diabetes mellitus – cunhada pelo médico inglês Thomas Willis (1621-1675) faz referência ao sabor doce decorrente da presença de glicose na urina dos pacientes (mellitus: doce). Posteriormente, foi criado o termo diabetes insipida (insipida: sem sabor) para descrever a forma dessa patologia associada com a deficiência do hormônio antidiurético e caracterizada pela excreção de urina muito diluída.

Síntese de insulina
Paul Langerhans identificou em 1869, durante seus estudos de doutorado no Instituto de Patologia de Berlim, agrupamentos de células distribuídas no pâncreas e que constituem apenas cerca de 1-2% desse órgão. Esses grupos de células, identificados erroneamente por Langerhans como linfonodos, são os locais de síntese de insulina.

Representação computadorizada de uma molécula de insulina. Problemas associados com a produção, distribuição ou captação desse hormônio estão por trás das diferentes formas de diabetes (arte: Isaac Yonemoto).

A insulina é um hormônio que apresenta efeitos marcantes sobre a maior parte do organismo. Ela está associada com a captação de glicose do sangue e com seu armazenamento no fígado e nos músculos na forma de glicogênio. Problemas associados com a produção, distribuição ou captação de insulina podem levar ao diabetes, uma patologia que afeta, segundo dados de 2000 da Organização Mundial da Saúde, pelo menos 171 milhões de pessoas. Além disso, a ocorrência do diabetes tem aumentado e estimativas apontam que, em 2030, haverá no mundo quase o dobro de pessoas afetadas por essa patologia.

O diabetes desenvolve-se devido à diminuição na produção de insulina (diabetes tipo 1) ou por meio da resistência do organismo aos efeitos desse hormônio (diabetes tipo 2 e diabetes gestacional). Esses processos levam ao surgimento das complicações agudas (hipoglicemia, cetoacidose e coma hiperosmolar não cetônico) e crônicas (doença cardiovascular, problemas renais, danos à retina e aos nervos e problemas microvasculares) associadas a essa patologia.

Somente vinte anos depois da descoberta realizada por Langerhans os médicos Oscar Minkowski (1858-1931) e Joseph von Mering (1849-1908), nascidos respectivamente na Lituânia e Alemanha, estabeleceram a relação entre o pâncreas e o diabetes. Esses pesquisadores retiraram o pâncreas de um cão para estudar o papel desse órgão na digestão e acabaram por notar que a urina do animal estava atraindo moscas. Exames posteriores indicaram a presença de açúcar na urina do cão, que também apresentava um quadro de diabetes.

Isolamento da insulina
Nos anos seguintes, diversos pesquisadores tentaram, sem muito sucesso, tratar o diabetes com a administração de extratos de pâncreas retirados de animais. Contudo, uma reviravolta nessa história ocorreu no inicio da década de 1920. Em 1921, a insulina foi isolada pela primeira vez pelo médico romeno Nicolae Paulescu (1869-1931), professor da Universidade de Medicina e Farmácia de Bucareste (Romênia). Contudo, a substância isolada por Paulescu, chamada inicialmente de pancreína, não foi utilizada em ensaios clínicos.

Na mesma época, o médico canadense Frederick Banting (1891-1941) se interessou pelos trabalhos de Minkowski e von Mering e, juntamente com o fisiologista escocês John James Macleod (1876-1935) e com o norte-americano Charles Best (1899-1978), então estudante de medicina, realizou uma série de experimentos que mudaram a história da luta da humanidade contra o diabetes.

O canadense Frederick Banting (dir.) e o americano Charles Best ao lado de Toto, um dos cães usados por eles nos experimentos no qual isolaram a insulina (foto: Library and Archives Canada).

Basicamente, esses pesquisadores fecharam cirurgicamente o duto pancreático que transporta os hormônios e enzimas produzidos no pâncreas para o duodeno, onde esses compostos auxiliam o processo digestivo. Várias semanas depois, a equipe de Banting observou que as células pancreáticas haviam desaparecido, permanecendo nesse órgão apenas as ilhotas de Langerhans.

O extrato dessas células foi, então, administrado a cães diabéticos (submetidos à remoção dos seus pâncreas) e diminuiu a concentração de açúcar no sangue desses animais, que permaneceram vivos por vários meses.

Posteriormente, juntou-se a essa equipe o bioquímico canadense James Collip (1892-1965), que purificou o extrato. No início de 1922, pôde ser aplicada a primeira injeção de insulina a um paciente diabético. O escolhido foi Leonard Thompson (1908-1935), um adolescente de 14 anos que havia recebido – como todos os diabéticos na época – uma “sentença de morte” que deveria se cumprir em alguns meses ou mesmo em poucas semanas.

A insulina purificada foi imediatamente oferecida para a indústria farmacêutica e, já no inicio de 1922, grandes quantidades desse composto já estavam disponíveis a preços acessíveis para a população.

Premiação rápida
Em uma de suas premiações mais rápidas, o Nobel de Medicina e Fisiologia foi concedido em 1923 para Frederick Banting e John Macleod. Paulescu e os outros membros da equipe canadense não receberam a honraria. Por isso, Banting e Macleod dividiram suas premiações com Best e Collip e, posteriormente, venderam a patente da insulina para a Universidade de Toronto pela quantia simbólica de um dólar.

Pesquisas posteriores realizadas com a insulina continuaram a ser reconhecidas pela comunidade científica internacional. Devido a sua importância, a insulina foi a primeira proteína a ter sua composição de aminoácidos determinada. A estrutura primária dessa molécula foi estabelecida no início da década de 1950 pelo biólogo britânico Frederick Sanger (1918-), que recebeu o Nobel de Química de 1958 por seu trabalho. Em 1967, finalmente a conformação espacial da molécula de insulina foi determinada através de estudos de difração de raios X pela química britânica Dorothy Crowfoot Hodgkin (1910-1994), também agraciada com o Nobel por suas descobertas (prêmio de Química em 1964).

Embora ainda não haja cura para o diabetes, nesses quase 90 anos desde a purificação e início do uso clínico da insulina, a humanidade assistiu a um enorme avanço no combate a essa doença. Os estudos iniciados por pesquisadores como Paul Langerhans – que hoje envolvem milhares de laboratórios pelo mundo – tornaram possível que milhões de pacientes sejam atualmente capazes de conviver com os males causados por essa patologia, enquanto aguardam a possibilidade da cura definitiva.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ALIMENTOS - MITOS E VERDADES PARA OS DIABÉTICOS

Muitas pessoas acreditam que o fato de um alimento ser natural significa que é seguro e eficiente. Vejamos alguns exemplos de mitos e verdades a respeito deles. Mitos Diabético não pode comer beterraba; Diabético não pode comer batata e arroz junto; Diabético não pode comer arroz e macarrão; O diabético não deve comer caqui, pois é muito doce; Substituir o leite por café; Caldo de cana e água de coco são naturais, portanto o diabético pode beber a vontade; Água tônica é amarga e o diabético pode beber sem problemas; Suco de fruta é natural, portanto o diabético deve usar e abusar; Açúcar causa diabetes; Não beber refrigerante dietético; Beber muita água dá diabetes; O diabético não pode comer aipim e nem farofa; Banana faz mal ao diabético; Mel e açúcar mascavo são naturais. Sendo assim, diabético pode usar; Fritura faz mal, mas se

Quais os direitos dos portadores de diabetes no Brasil?

Organizações de todo o Brasil há muitos anos vem se preocupando em esclarecer aos portadores de diabetes, familiares e comunidade em geral, que os cuidados com a diabetes envolvem a educação em diabetes, o tratamento adequado e o conseqüente acesso ao mesmo. A saúde é direito de todos e dever do Estado , segundo determina nossa Constituição Federal ( artigo 196 e seguintes), chamada de constituição cidadã, e a Lei Orgânica da Saúde, Lei 8080/90 (artigo 7º,I). Nesse sentido, qualquer cidadão tem o direito de ser atendido pelo sistema público de saúde sempre que necessário para a proteção ou recuperação de sua saúde . Uma das diretrizes do SUS – Sistema Único de Saúde é justamente o atendimento integral, que consiste no fornecimento tanto das ações e serviços de saúde preventivos como dos assistenciais ou curativos (artigo 198, II da Constituição Federal; artigos 5º, II e 7º, II da Lei 8080/90). Sabemos que colocar isto em prática não é fácil para o cidadão. O atendimento e a bus

10 coisas que você precisa saber sobre o diabetes

  O diabetes se caracteriza pela deficiência de produção e/ou de ação da insulina. O diabetes tipo 1 é resultante da destruição autoimune das células produtoras de insulina. O diagnóstico desse tipo de diabetes acontece, em geral, durante a infância e a adolescência, mas pode também ocorrer em outras faixas etárias. Já no diabetes tipo 2, o pâncreas produz insulina, mas há incapacidade de absorção das células musculares e adiposas. Esse tipo de diabetes é mais comum em pessoas com mais de 40 anos, acima do peso, sedentárias, sem hábitos saudáveis de alimentação, mas também pode ocorrer em jovens. Confira 10 coisas que você precisa saber sobre os dois tipos mais comuns de diabetes: 1. No tratamento do diabetes, o ideal é que a glicose fique entre 70 e 100mg/dL.  A partir de 100mg/dL  em jejum ou 140mg/dL duas horas após as refeições, considera-se hiperglicemia e, abaixo de 70mg/dL, hipoglicemia. Se a glicose permanecer alta demais por muito tempo, haverá mais possibilidade de