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Hipoglicemia, do real à fantasia, por Vera Puggina


Amigos do GAAD, honrada com o convite para escrever uma coluna no site do GAAD, para iniciar resolvi contar uma "estoria-história" que nasceu do que se sente durante e após uma hipoglicemia. Digo estoria, porque o início foi definido como surrealista, uma ideia fantasiosa e, ao mesmo tempo, real no que se trata dos sintomas que ocorrem durante as hipoglicemias que a maioria dos diabéticos têm. Quando falo em história, falo um pouco das minhas experiências com este tema real e perigoso que é a Hipoglicemia.

Espero que gostem do tema e, daqui a alguns dias, se Deus quiser, estarei de volta com outro relato. Envio nesse início de 2010, votos de muitas realizações e crescimento desse grupo genial. Beijos e abraços a todos do GAAD.
Vera Puggina

"Em um condomínio fechado, vivia um aglomerado de criaturas, que se interligavam entre si por parentesco. Uns mais próximos, outros distantes. Havia entre eles uma relação sólida, embora complexa, mas todos se respeitavam e trabalhavam muito, dando o máximo de si próprios, visando um bem único e comum. Sabiam que assim procedendo todos lucrariam, principalmente seu condômino.

Na cobertura habitava uma família numerosa. Muitos irmãozinhos, todos parecidos e a cada um cabia uma função, ordenadamente.
Nos andares abaixo, os vizinhos também tinham as suas funções que exerciam com muita responsabilidade. Vez por outra ocorria alguma desavença entre eles: isto acontecia quando algum morador “acordava com o pé esquerdo.”
Um dia, porém, todos os moradores foram pegos de surpresa por algo que nem sequer imaginavam o que fosse. Mas com certeza alguém não estava bem.
Os irmãozinhos, por morarem na cobertura, temiam tanto por sua integridade quanto pela dos outros habitantes. Sabiam que se algum deles fraquejasse, o desastre seria bem maior.
E de repente a situação piorou e eles, assustados, exclamavam:

- Virgem Maria, o que é isto? Socorro, socorro, vamos fugir, o oxigênio está faltando! Socorro, socorro! E corriam e tropeçavam uns nos outros, perdendo sapatos, roupas e até os próprios lugares. - Santo Deus! - Gritavam, se misturando uns aos outros, sem saberem prá onde ir, rodopiavam, apavorados. Aaaaai! Que pena! O que será de nós?! E, enfraquecidos, letárgicos, sem ar, tombaram uns por sobre os outros!

Os moradores vizinhos também sentiam que algo acontecia e, sem saber o que seria, lamuriavam: - nosso condômino esqueceu que precisamos de ar, de líquido, e imaginem se nos falta o elemento precioso?! E cada um sentia sensações diversas e reagiam de maneira diferente: uns se comprimiam, outros dilatavam, um outro pulava incessantemente.
Era uma cena triste, mas também hilária.

Até que de repente... Gritaram todos, num brado conjunto: - escutem... Alguém está chegando com o socorro, devagar, mas com certeza veio para nos salvar. Mas que barulhão, Virgem Santíssima, é ensurdecedor! Ai, ui, ufa, ufa!

- Annnnn... O que aconteceu? Balbuciavam os irmãozinhos, despertando da letargia. – Onde estou? Ah! Cadê o meu sapato? - Larga, larga, este casaco é meu! - Ih! O que dizes? Estás calçando o meu sapato! – Sai daí, este é o meu lugar! – E este o meu...

Aos poucos os irmãozinhos foram encontrando seus pertences, seus lugares, mas ainda se sentiam exaustos.
Com os outros habitantes não foi diferente. Os que se comprimiram, ainda assustados, exclamavam – Deus do céu, estou sentindo como se um furacão passasse por dentro de mim, arrastando tudo por diante. Ah! Quanto espaço estou ganhando, que maravilha!
Em contra partida, os vizinhos dilatados, voltando ao tamanho normal, tinham muita dificuldade de retomarem seus espaços, porque os comprimidos estavam bem relaxados, ocupando parte do espaço deles.
Aos pouquinhos, bem lentamente, o condomínio se aquietou. O cansaço era tanto que todos foram dormir. No dia seguinte se informariam qual dos vizinhos tinha provocado tanta balbúrdia."

Esta “estória”, na verdade refere-se à sensação que uma pessoa diabética tem, quando acometida por uma hipoglicemia.
O andar de cima, significa a cabeça, os irmãozinhos, os neurônios.
Os andares abaixo é o restante do corpo: o coração , as veias e artérias distribuídas por todo o corpo; os nervos periféricos, os pulmões, rins, fígado.

Muito já foi dito e lido sobre a Hipoglicemia - baixa de glicose no sangue; suas manifestações, prevenções, pronto atendimento que deve ser administrado quando uma pessoa é acometida por uma situação de hipoglicemia que, não fosse trágico, seria hilário, após o susto, analisado por um diabético.
A situação acima relatada, é exatamente a sensação que tenho quando recobro a consciência.

> O cérebro fica em total desalinho, não sabemos onde estamos, o que falamos, uma situação semelhante à embriaguez. Quando passa, sentimos a cabeça pesada, confusa e, para melhorar, nada como alguns minutos de sono.
> O coração desordena, bate como um louco, ora apressado, ora lento, a pressão arterial motivada por essa disfunção, cai em demasia, deixando a nitidez da morte breve.
> A circulação por sua vez, é totalmente comprometida; os vasos e artérias se contraem, prejudicando a passagem normal do sangue.
> O sistema nervoso todo se altera, em humor, compressão, como um elástico que estivesse esticado ao máximo.
> O fígado, cuja função é armazenar a glicose adicional e liberá-la quando necessário, faz muitas horas extras, não consegue levar a bom termo a safra.
> Os rins, que filtra o liquido de nosso corpo, altera sua função pela abundante sudorese que eliminamos sem passar por ele.

Ao "aterrizarmos" dessa viagem, levamos um tempo para acomodar tudo em seu devido lugar, é tudo muito lento e angustiante.

Minhas experiências com a Hipoglicemia começaram no início do tratamento e perduram ainda hoje, mas até conhecer bem o significado de tudo que sentia, tinha a impressão de que, além do diabetes ser incurável, matava em seguida.

Em todos esses anos de diabetes, não saberia mencionar o número de vezes que elas me surpreenderam e assustaram. Os sintomas são vários e muitas vezes se confundem com as hiperglicemias, motivo pelo qual todo o diabético deve fazer sua monitorização constante. Várias vezes entrei em coma que exigiu socorro ambulatorial, entretanto, nenhuma delas me assustou tanto como as duas últimas que sofri. Na primeira, senti e visualizei o que ocorria à minha volta, mas ao mesmo tempo, sentia e visualizava um outro território desconhecido, o que me deixou muito aflita e nervosa. Quando conseguiram me "aterrizar", meus nervos estavam à flor da pele, chorava, tremia, perguntando o que acontecera, abraçava fortemente a Bia (minha filha), chamava ao Henrique (meu esposo), até que me deram um tranqüilizante natural e aos poucos me acalmei. Na segunda, Henrique e Bia contaram que falei muito, como se escrevesse, alisava um guardanapo que colocaram no peito e, repentinamente, firmei o olhar em algum lugar vago : deslumbrei um arco-íris colorido e, num consciente inconsciente, queria ficar com eles - Henrique e Bia, ao mesmo tempo em que sentia que algo me carregava velozmente pelo espaço e, nessa correria, ia e voltava, o arco-íris me acompanhava. Esta ida e vinda se repetiu muitas vezes, até que consegui me fixar, firmar-me do lado de cá e, abrindo os olhos, enxerguei minha Bia ao meu lado. Perguntei onde estava, o que acontecera, se estava com ela, aqui na Terra ou ela estava comigo no espaço. As perguntas saíam uma atrás da outra. Pedi que me beliscasse para certificar de que era real, perguntei por Henrique, Jennifer, Fátima, queria todos à minha volta para reconfirmar que estava mesmo aqui. Foi um desespero muito grande, um stress imenso, uma sensação terrível. Nunca sentira nada igual. A partir deste episódio, meu cuidado redobrou e ao deitar, se a glicose está baixa, além do lanche, tomo um pouco de coca-cola ou como uma bala.

Comentários

  1. Um dos melhores artigos que já li sobre a hipoglicemia, parabéns Vera!

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